Lendo um artigo que discute propostas didático-metodológicas dos cursos de tradução de diversos países, percebe-se que ainda não há consenso em relação às habilidades, competências e aos conhecimentos necessários para a formação do tradutor.
No Brasil há uma divergência evidente quanto à diretriz didático-metodológica, que pode ser expressa pela dicotomia treinamento prático versus reflexão teórica.
A ideia de levar o tradutor a desenvolver estratégias de tradução está imbuída do espírito de conscientização da complexidade do processo e da necessidade de monitorar suas ações e examinar com cuidado as decisões tomadas ao longo do processo tradutório; resumindo: espera-se que o aprendiz/tradutor se torne autônomo para escolher o caminho mais adequado, selecionando e gerenciando as ações que melhor correspondam aos interesses e às necessidades.
Ao produzir um mapeamento das diversas categorias de conhecimento, habilidades e subcompetências, GONÇALVES e MACHADO apresentam o seguinte (Artigo completo):
"1. Competência linguística na língua materna - envolve os conhecimentos específicos do sistema linguístico estrito da língua materna, ou seja, sua fonética/fonologia, léxico, morfossintaxe e semântica. O grupo PACTE (2003) inclui esse tipo de conhecimento na subcompetência bilíngue.
2. Competência linguística prévia na(s) língua(s) estrangeira(s) - refere-se a um determinado nível de proficiência na língua de trabalho estrangeira (ou L2), sem o qual não se viabilizaria o desenvolvimento da CT; portanto, este seria um pré-requisito para se ingressar no respectivo curso de tradução. Assim como a categoria anterior, esse tipo de conhecimento inclui-se na subcompetência bilíngue, conforme o modelo PACTE (2003).
3. Competência linguística a ser desenvolvida na(s) língua(s) estrangeira(s) - autores como Schäffner e Adab (2000), diferentemente da visão implícita no comentário da categoria anterior, defendem que o desenvolvimento da competência linguística em L2 não precisa necessariamente anteceder o da CT; tais desenvolvimentos podem e devem ser implementados concomitantemente. Há em tal posição uma questão bastante interessante e pertinente para o desenvolvimento dos cursos de tradução, a qual merece atenção em futuras pesquisas da área.
4. Competência pragmática e sociolinguística na língua materna - esta categoria de conhecimentos envolve o domínio de estratégias de processamento macrotextual e de contextualização de enunciados no uso da língua materna. Para Gonçalves (2003), esse tipo de conhecimento inclui-se entre as competências linguísticas de alto nível, apresentando características principalmente de conhecimento declarativo.
5. Competência pragmática e sociolinguística na(s) língua(s) estrangeira(s) - esta categoria de conhecimento envolve o domínio de estratégias macrotextuais e de contextualização de enunciados no uso da(s) língua(s) estrangeira(s). Também inclui-se entre as competências linguísticas de alto nível, segundo Gonçalves (2003).
6. Conhecimento de ambas as culturas das línguas de trabalho - para o grupo PACTE (2003), esse tipo de conhecimento inclui-se na subcompetência extralinguística; Gonçalves (2003), por sua vez, define esta categoria, em parte, como conhecimentos declarativos (ou enciclopédicos, em geral) e também como conhecimentos procedimentais, que envolvem os automatismos e condicionamentos culturais.
7. Conhecimentos temáticos (referentes a áreas especializadas de conhecimento) - esta categoria de conhecimentos pode ser considerada uma subdivisão da categoria acima, conforme a perspectiva de Gonçalves (2003), incluindo especialmente conhecimentos declarativos.
8. Terminologia - essa categoria envolve o domínio ou a utilização apropriada de vocabulário especializado de determinada área de conhecimento; em termos teóricos, entendemos que a competência terminológica representa uma interface entre os conhecimentos temáticos e certos níveis das competências linguísticas.
9. Conhecimentos declarativos sobre tradução - aqui temos especialmente os conhecimentos teóricos sobre tradução; o grupo PACTE (2003) denomina esta categoria como Knowledge about Translation, que é incorporada por Gonçalves (2003).
10. Conhecimento relacionado à prática profissional - esta categoria envolve os aspectos sociointerativos do campo profissional do tradutor, além de incluir habilidades no uso de recursos de pesquisa e referência, repercutindo como um tipo de conhecimento primordialmente procedimental, o qual Gonçalves (2003) denominou competência instrumental/profissional.
11. Conhecimentos relacionados ao uso de fontes de documentação - esta categoria é denominada subcompetência instrumental pelo grupo PACTE e representa uma subdivisão da categoria anterior.
12. Tecnologias que podem ser aplicadas à tradução - esta categoria também envolve prioritariamente conhecimentos procedimentais e pode ser incluída como uma subcategoria do item 10, acima.
13. Conhecimentos operativos/procedimentais sobre tradução - envolve o desenvolvimento de uma série de automatismos na atividade tradutória; inicialmente havíamos contraposto esta categoria à de conhecimentos declarativos. Entretanto, diversos trabalhos têm mostrado que a oposição estanque entre as duas categorias é simplista e improdutiva. Assim, os limites entre os dois tipos de conhecimentos ainda precisam ser pesquisados e reavaliados em termos didático-metodológicos.
14. Aspectos cognitivos - têm especial relação com os conhecimentos procedimentais, ou seja, envolvem a gama de processos mentais inconscientes ou menos conscientes na atividade tradutória.
15. Aspectos metacognitivos - envolvem competências metaconscientes e são consideradas por Gutt (2000) e Gonçalves (2003) como a subcompetência central do processo tradutório, isto é, incluem os mecanismos cognitivos de alto nível que mais caracteristicamente identificam o tradutor competente.
16. Conhecimentos contrastivos - este é um tipo de conhecimento declarativo que envolve a percepção consciente das semelhanças e diferenças entre as competências linguísticas e pragmáticas das duas línguas de trabalho; este foi, por muito tempo, o principal enfoque para a formação do tradutor, especialmente na chamada vertente contrastiva dos estudos da tradução.
17. Aspectos emocionais/subjetivos - esta categoria abre espaço para a discussão da subjetividade e da sua influência sobre o trabalho do sujeito tradutor; tais aspectos são abordados pelo grupo PACTE (2003), por Robinson (1997) e também por Gonçalves (2003), que procuram tirá-los da posição periférica em que se encontram nos estudos da tradução e da cognição, mostrando a sua relevância para a constituição da CT."
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CT = competência do tradutor e
PACTE (Process in the Acquisition of Translation Competence and Evaluation).
GONÇALVES, José Luiz Vila Real. & MACHADO, Ingrid Trioni Nunes. Um Panorama do Ensino de Tradução e A Busca da Competência do Tradutor. In: Cadernos de Tradução, Florianópolis, v. 1, nº 17, p. 45-69, set. 2008. ISSN 2175-7968. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/traducao/article/view/6856/6408. Acesso em: Dez. 2008.
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